Há pessoas que conseguem dar voz ao que pensam de forma mais sonora que outras.
Seja por medo de magoar, de ser mal entendido, pelo medo de rejeição; seja por incapacidade de projectar a voz mais alto, de quebrar o uníssono; seja por constrangimentos externos ou por opção pessoal, alguns de nós não expressam realmente a sua opinião, mesmo nas conversas mais informais.
Há por outro lado, nas esferas mais públicas bem como nas laborais, uma miríade de agentes que silenciam, abafam o grito lancinante, que filtram, vigiam e canalizam as vozes dissonantes, calam as ideias originais numa curadoria não solicitada.
A maior parte de nós navega entre dois estados:
- Um estado de integração, de empatia social, em que tendemos a sublinhar, a distender os pontos de concordância;
- Um estado de tensão em que as verdadeiras opiniões e afinidades se revelam.
Mas há receitas e doseamentos vários:
- Há quem construa uma persona em torno da concordância, que procure estar sempre bem com todos;
- Há quem, por outro lado, invista, cultive, eduque, tendo a frontalidade como pano de fundo;
- Há quem diga o que pensa, faça o que quer, mas totalmente desconectado, sem empatia ou princípios;
- Há quem diga o que pensa apenas nos bastidores quando já não importa, em jeito de desabafo inconsequente;
- Há quem não queira saber e permaneça voluntariamente alheado;
- Há quem simplesmente não esteja em contacto com a sua própria voz, ou não consiga aceder a uma plataforma de ampliação.
A forma como as vozes se organizam, quem fala, quem é ouvido, obedece a uma série de dinâmicas sociais. A hierarquia dentro das instituições significa normalmente que as pessoas cujas pedradas fazem vibrar o charco são as que ocupam lugares cimeiros. Há quem se organize em torno dessas figuras de poder, minando, influenciando, preservando, tornando todo o processo opaco. São os guarda portões.
No contexto do trabalho que agora inicio, interessam-me as medidas estruturais destinadas a silenciar. Interessam-me os rótulos e etiquetas, as classificações categóricas, os enquadramentos oportunos. Essas medidas são lançadas na sombra, por pessoas que tendem a ver o mundo de forma binária, que assumem rapidamente a sua geometria, que sabem o que sentem e pensam os outros, mas que não olham de facto. Apegam-se a uma imagem mental rígida, sensível apenas aos extremos, ao que é óbvio (subtilezas só em proveito próprio).
A manipulação dos meios de comunicação, o controle de acesso aos microfones, a burocratização, resultam em filtros cuja única razão de existir é dificultar, desencorajar a expressão pessoal. Ao dizer expressão pessoal não me refiro somente à expressão artística, mas mais profundamente ao contributo de cada um, ao direito de cada um (todos merecemos o benefício da dúvida).
No mundo virtual, em que as ferramentas de controle estão a crescer exponencialmente: as filas de espera ocultas, os anúncios personalizados que se esfumam sem deixar rasto, as restrições de acesso, o redirecionamento de emails, torna-se necessário compreender os códigos, criar estratégias, perceber como captar e direcionar a atenção para o que é importante.
Mas ainda é (talvez como nunca antes, como nunca depois) possível falar. Os mass media morreram. Cada um de nós trás no bolso uma agência noticiosa, uma editora, um megafone.
Hoje somos todos marginais. Neste ecossistema, nesta nova rede que nos liga, multiplicam-se as vozes. Cabe a cada um encontrar a plataforma certa para o seu discurso, a audiência para a sua liderança, a sua tribo.
texto inspirado na proposta social de Seth Godin