Fábrica de memórias

Memória ou Fabricação?

Esta natureza particular da Fotografia, o contacto directo com o mundo concreto, o poder transformativo através da câmara, fazem dela um meio singular na afirmação da visão subjectiva, individual, e coloca no mesmo plano o mundo onírico e o mundo sensível. O fotógrafo interage com o mundo comparando de forma dialéctica a sua imagem mental, o seu pré-conceito, com a sua experiência sensitiva concreta. No caso presente, essa imagem mental é delineada pela memória na procura de um vislumbre, de uma pista que permita desconstruir ou sintetizar os momentos passados, numa ligação, numa Verdade. Mas ao premir o obturador fabricamos novas memórias, o que vemos mistura-se com o que recordamos numa triangulação promiscua. Estar perante a memória é como estar perante um espelho, como num auto retrato, expostos diante de nós mesmos numa frontalidade persistente. Olhamos até fabricarmos uma nova história. A maior revelação é a de que se trata de uma encenação, de uma recriação dos nossos próprios gestos. Esta percepção embaraça-nos, compromete-nos.

Cada um dos lugares que visitei é-me absolutamente familiar mas que pelo olhar lento da câmara, pela distorção minimalista da memória, surgem-me  estranhos. Na dialéctica entre a memória e a percepção detenho-me nos novos artefactos entretanto adicionados à paisagem com estranheza e fascínio. Os elementos visuais de um espaço, de uma paisagem, representam um papel fulcral na construção da familiaridade a que chamamos memória. A paleta cromática, a densidade rítmica, a distribuição vertical e horizontal das formas, assumem em cada lugar a singularidade de uma impressão digital.


“The ordinary is a very under-exploited aspect of our lives because it is so familiar.”

Martin Parr

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