Largo do Rato, II

Largo do Rato, 4 da manhã.

A noite começara animada oito horas antes: era o jantar de aniversário de um amigo. À mesa consigo estava o amigo Renato com a namorada e uma amiga da namorada.   

Conhecia o Renato há anos, das aulas nocturnas no Liceu, de algumas saídas à noite e de um insólito encontro durante as férias, no Algarve. Tinha algumas particularidades mas era um bom rapaz e bom amigo.   

O ambiente do jantar estava estranho. O Renato e a namorada só falavam entre eles num sussurro desconfortável. Ele falava com a amiga francesa no seu flirt desajeitado usual. Este paralelismo só foi quebrado pelas perguntas inusitadas do Renato. Eram perguntas descontextualizadas e repetitivas, insistentes: Sabes onde fica o Estado Maior General das Forças Armadas? Não? Hum.. No fim do jantar as raparigas despediram-se cada uma para seu lado. Da amiga francesa ficou a promessa de reencontro numa festa que teria lugar no sábado seguinte. Durmo em tua casa, pode ser? Foram até casa do Renato na Estrela.   

O serão prolongou-se por algumas horas, zapeando pelos múltiplos canais. Duas ou três bebidas não chegaram para dissipar o ambiente pesado, estranho, viscoso que marcava a noite. Sabes onde fica o Estado Maior General das Forças Armadas? Na hora de dormir, estenderam dois colchões no chão do quarto de um dos irmãos do Renato.   

Não tinham ainda passado 5 minutos. O silêncio é quebrado pela voz grave e intensa do Renato: Com que então não sabes onde fica o Estado Maior General das Forças Armadas? Levantaram-se os dois de rompante. Quando a luz se acendeu o Renato empunhava um taco de basebol. Se fazes favor, põe-te na alheta! Ordenou com os olhos vidrados e um meio sorriso tremeluzente. Revistava-lhe as roupas enquanto se vestia para sair.  

Largo do Rato, 4 da manhã. Táxi! Alcântara por favor.

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