Os Guardiões

  Comecei por tirar algumas fotografias no largo da Igreja. Queria tomar o pulso ao espaço. Definido o perímetro fui deslizando de forma centrípeta, aproximando-me lentamente da Igreja. Surpreendeu-me a vida do local, a quantidade de pessoas que circulava por ali.    

Depois de ter captado alguns planos da fachada da Igreja, subi a rua pelas traseiras para observar o colégio. O pátio do colégio estava vazio (os miúdos estavam provavelmente a participar no desfile de Carnaval na Estrada de Benfica).   

Captei dois planos contextuais. À esquerda, o colégio com alguns edifícios adjacentes e a torre da igreja por trás, os carros estacionados. À direita, uma pequena casa com um quintal vedado, possivelmente a construção mais antiga do largo.   

Voltei ao largo da igreja e inspeccionei o adro onde costumávamos correr fazendo rolar pneus velhos. Foi entretanto construída uma plataforma, um campo de recreio vedado e elevado, bem como alguns anexos destinados às actividades do colégio e à missão social da paróquia.  

Entrei na Igreja, fazia sentido captar alguma interioridade. Após uma observação breve, concluí que a luz não era favorável a uma captura rápida e discreta, e que este espaço não tinha uma significação pessoal que justificasse uma abordagem mais estruturada. Sentei-me simplesmente, fiquei a ver as fotografias na câmara.   

Num banco mais à frente estava um casal já idoso. O homem virou-se para trás e olhou-me de forma persistente o que naturalmente não me passou despercebido. Devolvi o olhar murmurando em resposta à sua vigília.  

Ele levantou-se e veio abordar-me:

O senhor não pode tirar fotografias aqui. Se o quiser fazer terá que pedir uma autorização. – e indicou-me a porta da sacristia, ao que respondi:

O senhor está a ver-me a tirar fotografias?

– Estou só a preveni-lo para o caso de querer fotografar.

– Terá que prevenir igualmente as outras pessoas presentes. Hoje em dia, com os telemóveis, toda a gente é um potencial fotógrafo. Ao que o energúmeno responde:

– As outras pessoas já sabem.

– E o senhor acha que eu não sei.

– Você deve ter pelo menos a escolaridade mínima para poder ler o aviso que está à entrada da igreja.

– Olhe, vamos dar por terminada a conversa.- Só estou a dar-lhe a informação, o senhor faz o que entender.

– Dispenso.

Terminado este pequeno confronto, o homem regressou ao seu lugar junto da mulher. Uma outra velhota que estava de saída da igreja dirigiu-se a mim e perguntou se ia haver alguma festa.

Não sei senhora.

– Ah,  você está aqui com tudo isso. (Referia-se ao tripé e à câmara)

Não é por isso.   

Não ficou por aqui.  

No instante seguinte a mulher do sujeito que me abordou inicialmente levantou-se e avançou rabitesa sacristia adentro. Demorou um minuto e regressou ao seu lugar. Instantes depois sai lá de dentro o responsável da paróquia com quem tinha já trocado algumas palavras anteriormente no adro. Vem ter comigo, encolhendo os ombros como que desiludido:

Não pode tirar fotografias.

– Eu não estou a fotografar. Aquele senhor viu-me com a câmara e achou que o fosse fazer. Encolheu os ombros e recolheu à sacristia. Aguardei alguns minutos para ver o que se seguia. Ficou por aí.   

Saí.  

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