Os Lobos, III

Adeganha. Entro na aldeia pelo caminho impossível da montanha. Seriam talvez onze da noite. Uma aldeia inteira feita de pedra, não havia pessoas na rua, luzes nas janelas ou carros estacionados. Seria muito difícil passar despercebido, parquear num canto discreto e passar a noite. Ainda trazia o pulso acelerado da aventura na serra e o meu primeiro pensamento foi o de sair dali, procurar uma localidade próxima para descansar, para passar a noite.

Numa das ruas centrais vejo uma porta aberta, uma sala iluminada, um homem de pé especado, como que ancorado a uma pequena televisão tremeluzente. Dirigi-me a ele. Tentei explicar o que me levara ali, tentei contar o episódio inusitado na montanha, mas devo ter soado incongruente, assustado. Ele interrompe Mas o que quer agora, para onde quer ir? O quê? Dormir no carro? Tenho aqui quartos e camas, muito espaço! Não sei bem o que me levou a aceitar, mas já estava rendido, absorto na espiral surreal que me sorvia. Jantei, dois dedos de conversa e fomos a um café na aldeia adjacente: Cardanha, que ali não havia.

O Delfim ofereceu-me a sofá e subiu para o seu quarto no piso de cima. A televisão fica acesa, disse em jeito de Boa noite. Era o seu hábito, a sua companhia e não o iria mudar por eu estar ali.

A televisão estava comigo na sala sintonizada na RTP memória e a programação foi preenchida por duas novelas portuguesas do século passado e um interessantíssimo documentário sobre a Aparição de Fátima, a revelação da terceira parte do segredo, a Rússia..

Deixei-me deslizar sem resistência.

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