Toda a gente estava tão enturmada já, conheciam-se desde sempre.
Nas aulas procurava estabelecer ligação com o professor, com a disciplina, mas toda a gente tinha um discurso tão maduro e extrovertido que o abafavam. Nos intervalos, nos corredores e átrios da escola sentia um desconforto imenso. Não que os colegas o tivessem recebido mal, pelo contrário, apenas não sabia o seu lugar. Pressentia o instante, mas não conseguia tirar os olhos do chão. Tornou-se estranho de si mesmo e para os outros.
Havia ocasionalmente oportunidade de mostrar que não era atrasado mental. Um ou outro resultado académico interessante, uma ou outra intervenção. Nas aulas dizia baixinho a resposta às questões apresentadas pelo professor para que os colegas em volta ouvissem e lhe dessem voz.
Mas há professores com uma perspicácia fora do comum. No final de um dos períodos lectivos, a professora Irene pediu à turma uma pequena analise crítica do trabalho desenvolvido no mês anterior (talvez um trabalho de grupo, uma encenação de um dos Autos de Gil Vicente). Deu alguns minutos e recolheu os textos, escritos de forma anónima mas deixando ao de cima o seu. Dirige-se à turma: Vou ler-vos apenas um.
Estava bem escrito e lido pela professora soou assertivo e confiante. A boa articulação do texto foi reconhecida pela turma que expressou admiração e surpresa, perguntavam-se Quem escreveu? Por exclusão de partes perceberam quem tinha sido o autor e saíram pelos corredores comentando.
Não saiu do seu silêncio mas saiu do anonimato, encontrou de certa forma o seu lugar na turma. Este pequeno texto, este pequeno gesto da professora marcaram um novo início, a genesis de uma nova confiança.
É caso para citar: No início era o Verbo. Aleluia!