Apanhei hoje o 758 no Cais do Sodré com destino ao Jardim do Príncipe Real. É um lugar que me é tanto familiar como estranho.
Na minha análise fotográfica aos jardins urbanos, um dos conceitos que testo é o de transparência, expresso visualmente na densidade, proximidade e sobreposição das copas das árvores e de outros elementos verticais, bem como na escala e amplitude do espaço, e que se traduz na percepção de isolamento ou de ligação ao tecido urbano circundante, representando uma quebra ou uma palavra no discurso efervescente da cidade.
No Jardim do Príncipe Real, as copas são muito cerradas produzindo em alguns pontos uma sombra impenetrável, opaca. Com dois quiosques, um parque infantil, mesas para jogos e refeições o jardim oferece uma panóplia de ambiências diversa e inclusiva, oferece isolamento e interioridade. O enorme Cedro-do-Buçaco é o verdadeiro príncipe do jardim. Debaixo da sua copa ampla e densa, músicos e ouvintes ocasionais tiram partido da sombra acústica resultante num improviso diário.
Não obstante a delimitação visual, a interioridade proposta, demorei a integrar-me, demorei a assimilar, sensação que acabei por decifrar num paradigma: a tensão entre a paisagem visual e a sonora. O isolamento visual, a interioridade, o recanto, são totalmente dilacerados, contraditos pelo intenso ruído do trânsito rodoviário permanente.